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Em Pauta

Projeto de Lei propõe mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente
Fabrício Nogueira

Dr.Miguel Chalub 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi oficializado em 13 de julho de 1990. Frequentemente, vemos inúmeras polêmicas devido a uma série de propostas que visam mudar o Estatuto. No entanto, algumas questões pairam no ar, no que diz respeito a quais determinações realmente foram cumpridas desde a sua implementação. Num país onde a educação não é prioridade, é preciso saber quais direitos, garantidos por lei para as crianças e os jovens, estão sendo colocados em prática. Para responder a algumas dessas indagações, ouvimos o professor Flávio Alves Martins, diretor da Faculdade Nacional de Direito (FND) e doutor em Filosofia pela UFRJ.

Segundo Flávio Martins, em 1989, quando houve a regulamentação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente no âmbito internacional, o Brasil, que também é signatário, com a Constituição de 1988 tinha o compromisso de regulamentar esses direitos. “O ECA veio revolucionar. Foi uma mudança de paradigma porque antes, na legislação brasileira,  você tratava apenas do atendimento à criança-problema. Quem era a criança-problema? Era o menor infrator, eram aquelas crianças que não tinham pai, mãe, família. O objetivo era puni-las e, muitas vezes, elas eram tratadas como adultas. Com o ECA nós passamos dessa fase de somente penalização ou afastamento do convívio da sociedade e trouxemos o problema para dentro de casa”, ressalta.

A partir da Constituição de 1988, ao artigo 227 e os seguintes que tratam da proteção à criança e ao adolescente, estes passaram a ser descritos como um grupo vulnerável, que precisa de atenção especial. De acordo com o Princípio da Constituição Integral à Criança e ao Adolescente, o dever de cuidar e zelar pela segurança dos mesmos não é apenas da família, mas também do Estado e da sociedade. Para o professor, esse é um grande problema, pois as pessoas ainda não tomaram consciência disso. “Em alguns países, se uma criança é encontrada na rua em horário escolar, a própria sociedade aponta e chama uma autoridade para saber onde a criança mora, cadê os pais, cadê a família. Aqui no Brasil isso não acontece”, conta.

Ao comentar sobre o que ainda precisa avançar em relação à implementação do ECA, o diretor da Faculdade de Direito da UFRJ afirma que é colocar, sobre o Estado e a sociedade, mais responsabilidade na proteção à criança e ao adolescente. “Primeiro, o estatuto é feito para garantir e protegê-los e não retirá-los do convívio social. Segundo, devem receber tratamento diferenciado em relação ao adulto e entre si, porque o estatuto faz uma diferenciação entre o que pode ser feito para criança e para o adolescente. Nós vemos falar muito em investir na educação, na saúde, mas isso é algo que fica sempre disseminado, então talvez devesse investir nas ações mais especificamente voltadas para eles, assim poderíamos progredir mais em relação ao Estatuto”, declara Flávio.

Para o professor, o Projeto de Lei 3503/12 – proposta que permite a internação preventiva de adolescentes antes de decisão judicial, sem prazo pré-estabelecido e que prevê que a periculosidade do menor infrator seja levada em consideração, de autoria do deputado Ronaldo Benedet (PMDB-SC) –, tem como questão de fundo discutir a maioridade penal. “Essa, como outras que já ocorreram, são tentativas de reduzir a maioridade penal no Brasil e imputar toda a responsabilidade à criança e ao adolescente. Pela Constituição Federal, os atores responsáveis são o Estado, a Sociedade e a Família. Em nenhum momento se diz que eles são responsáveis por si próprios”, argumenta.

De acordo com Flávio, esse projeto de lei não afeta a maioridade penal, porque isso só pode ser feito através de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Porém, ele acredita que se for aprovado, abrirá caminho para uma futura proposta de redução da maioridade. “Eu entendo que toda essa discussão é uma tentativa de criminalizar a pobreza. Noventa por cento dos menores que praticam atos infracionais são das classes mais pobres. Não é punindo quem já é punido diariamente que vamos construir uma sociedade melhor. Claro que nós sabemos que há pessoas que por mais que façamos algo, jamais sairão desse perfil, mas isso é a minoria, temos que trabalhar com a massa”, defende o professor.

Flávio acrescenta ainda que fica difícil o jovem que não tem a mínima condição de vida acabar não sendo cooptado pelo tráfico, fora os problemas que têm em casa. “Muitos sofrem maus tratos, são agredidos. É um problema complexo. Todas as normas internacionais que o Brasil ratifica e o próprio Estatuto falam na colocação em família substituta quando for possível, discorrem sobre a questão da socialização, da importância da convivência familiar e social. É preciso ensiná-los a viver em grupo, prepará-los para o mercado de trabalho. Isso o Estado não faz, a sociedade não faz, a família também não faz e quem paga é o adolescente. Ele está sofrendo o impacto de algo que foi meramente instrumento. Ele não é o autor, origem nem o fim disso tudo, é apenas o meio, o mecanismo que está sendo utilizado”, finaliza o professor.