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Campus da Praia Vermelha revive dias de arena do debate político
Pedro Barreto
Foto:Marco Fernandes / Adufrj-Ssind
O Teatro de Arena da UFRJ, no campus da Praia Vermelha, sediou, nesta sexta (28/6), o debate “O que está acontecendo”, que reuniu professores das diversas universidades federais do Rio de Janeiro. O objetivo foi refletir a respeito do atual movimento de massas no Brasil. Os palestrantes foram Mauro Iasi, da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ; Roberto Leher, da Faculdade de Educação (FE) da UFRJ; Carlos Vainer, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional e coordenador do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ; Marco Antônio Peruso, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); e Pedro Rocha, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio).
“Este movimento veio para mudar profundamente a conjuntura política brasileira. Os setores conservadores tentam se aproveitar e o governo propõe uma reforma política às pressas. Este quadro é bastante preocupante. Acredito que o caminho seria começarmos pela questão da responsabilidade fiscal. Ela é a raiz de um cerceamento dos serviços públicos em nosso país, como os investimentos em hospitais, escolas e transporte de qualidade”, analisou Iasi, dando início ao debate.
Roberto Leher enalteceu a iniciativa da realização do debate na comunidade universitária e a aprovação da moção do Conselho Universitário que condenou o assassinato de dez moradores do Complexo da Maré pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. O docente também criticou a cobertura midiática das manifestações populares pelo país afora. “O noticiário da Globonews foi exemplar: imagens aéreas, zoom em um grupo chamado por eles de ‘baderneiros’ e nenhuma imagem aproximada sequer dos demais manifestantes. No estúdio, nenhuma entrevista que ajudasse numa reflexão. Todas, inclusive de alguns colegas da UFRJ, sinalizavam para o seguinte diagnóstico: um raio em céu azul, surgiu do nada”, analisou.
De acordo com Leher, as manifestações foram gestadas em anos de lutas dos tradicionais movimentos sociais na última década. “O grito inicial foi dado em São Paulo pelo Movimento Passe Livre, que tem tradição de lutas no país. Desde 2004, 2005, este movimento faz mobilizações em Santa Catarina, São Paulo e Brasília, apontando para uma questão crucial para os trabalhadores: o transporte público”, apontou. Ainda segundo o docente, outra característica das atuais manifestações é o seu caráter horizontalizado. “Eles recusam porta-vozes oficiais”, completou.
Leher defendeu a raiz dos movimentos no histórico de lutas sociais na América Latina e no mundo e ainda a participação dos partidos políticos. “A convocatória parte dos movimentos organizados que estão fazendo a luta de classes. Os partidos políticos de esquerda devem ser didáticos neste momento. Eles não podem ser a vanguarda do movimento, mas sim dar sentido a ele”, concluiu.
“Oportunidade histórica”
Carlos Vainer recordou o histórico de resistência do Teatro de Arena onde, em 1968, estudantes ocuparam a sessão do Conselho Universitário, à época realizado no local, e se manifestaram contra o Regime Militar vigente. O coordenador do FCC-UFRJ classificou o imobilismo dos governantes neste momento como “o autismo característico do poder, que não percebe o que se passa em seu entorno”. “Estamos vivendo um momento de convulsão social em que os poderosos não sabem o que fazer. Há uma crise de poder neste momento no país”, analisou.
Vainer enalteceu as mobilizações e chamou a atenção para a possibilidade de transformações. “Há uma estética revolucionária que precisa ser reconhecida. É um processo extraordinário de politização do espaço público. É saudável que seja multi, não precisa ser apenas de partido, dos movimentos sociais”, disse, antes de convocar a plateia. “Há um momento em que as utopias se transformam em realidade. Este pode ser um deles. Mas precisamos ser rápidos, temos que canalizar, criar forças para transformar essas manifestações em uma revolução social e política. As condições estão dadas. É preciso que esta oportunidade histórica não seja perdida”, afirmou.
Marco Antônio Peruzo, da UFRRJ, analisa as atuais manifestações populares como uma recusa aos modelos de desenvolvimento implementados no país nas últimas duas décadas. O docente classificou o modelo do governo Fernando Henrique Cardoso de “neoliberal” e o do governo do PT, de Lula e Dilma, como “neodesenvolvimentista”. De acordo com Peruzo, o caráter horizontal do movimento indica sua origem e direcionamentos. “A geração de hoje está apontando uma nova forma de participação política. Essa multiplicidade de movimentos e pautas dá conta de um caráter classista do movimento. Os movimentos sociais que trabalham na perspectiva da horizontalidade são a fagulha disso tudo. Só eles têm esse diálogo com a população. Organismos tradicionais, como a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e UNE (União Nacional dos Estudantes) não teriam legitimidade”, refletiu.
Banalização dos protestos
Pedro Rocha, da Uni-Rio, foi a voz dissonante da mesa, apontando uma suposta elitização das passeatas. O professor lembrou de dois episódios: a violência contra integrantes de partidos políticos e o assassinato de moradores do Complexo da Maré. “Estamos vivendo uma época em que a esquerda está isolada. Ninguém fez nada contra quem bateu nos militantes de partidos que apanharam na passeata. Alguns até aplaudiram. Do outro lado, os pobres e favelados, base social histórica da esquerda, foram executados pela Polícia”, apontou.
Rocha alertou ainda para uma eventual banalização das manifestações. “Este movimento de protestos políticos acontece no mundo todo. Na Europa, em vez de as pessoas irem para os pubs, vão para as passeatas. Está se tornando um movimento meramente estético”, criticou. Por fim, o docente apontou a necessidade de recuperação de bandeiras tradicionais da esquerda. “De um lado, reivindica-se o casamento gay, do outro, moradores são executados nas favelas. Falta um ator político para ligar essas duas pontas. Há um descompasso aí. Antigamente a luta era para que o pobre deixasse de ser pobre, que o favelado deixasse de ser favelado. Hoje não se fala mais nisso”, finalizou.