Pesquisa
Laboratório da UFRJ pesquisa esponjas calcareas
Natália Oliveira
Da esquerda para a direita: Pedro Leocorny, Bárbara Ribeiro,
Michelle Klautau, Fernanda Azevedo e
André Padua, prticipantes do projeto.
O Laboratório de Biologia de Porifera da UFRJ (LaBiPor/IB-UFRJ) está desenvolvendo a pesquisa “Biodiversidade e padrões de endemismo de esponjas calcareas na costa brasileira”. O projeto tem como objetivo conhecer a composição dessa classe de poríferos e sua distribuição ao longo da Costa Brasileira, para, assim, ajudar a traçar diretrizes políticas para a preservação.
A pesquisa é a segunda do laboratório coordenado pela professora Michelle Klautau a ser financiada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção a Natureza e tem como instituição responsável a Associação Amigos do Museu Nacional. Integram o projeto, além da chefe do laboratório, os alunos de doutorado André Padua e Báslavi Cóndor-Luján, os alunos de iniciação científica Bárbara Ribeiro e Pedro Leocorny, além da responsável técnica, Fernanda Azevedo, que falou em entrevista ao UFRJ Plural.
Fernanda é bióloga formada em Ciências Biológicas, com mestrado e doutorado em Zoologia pela UFRJ. Atualmente se dedica à pesquisa com esponjas calcareas.
A pesquisa tem expectativa de duração de um ano e é dividida em dois momentos. O primeiro trata-se da taxonomia e vai até julho. Essa etapa do trabalho é para identificação e classificação das espécies. “Nesse estudo, nós estamos utilizando duas abordagens, a morfológica, que consiste na taxonomia tradicional, e a genética”, afirma Fernanda. Numa segunda etapa, vão ser gerados mapas. Com a análise desses mapas, será possível observar as principais áreas de endemismo das calcareas. Ao final, esses mapas serão sobrepostos com o das áreas de preservação marinha já existentes na costa brasileira, para verificar se as regiões coincidem.
Para isso, foram analisados 200 exemplares de calcareas coletadas nas regiões do Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. “Para esse projeto a gente não precisou ir a campo coletar as amostras. Estamos reaproveitando essas esponjas que já fazem parte da coleção do laboratório, tendo sido coletadas no projeto anterior, também coordenado pela professora Michelle”, conta a bióloga.
No mundo, são conhecidas quase 700 espécies de esponjas calcareas; no Brasil, sabe-se da existência de 50. Esse número baixo se deve ao fato de a classe ser pouco estudada pelos biólogos e a sua grande variabilidade morfológica. As espécies que mais se destacam são a Clathrina aurea, nativa, e a Paraleucilla magna e Sycettusa hastifera, consideradas espécies invasoras. “A gente acredita que elas venham acopladas a cascos de navios, ou a plataformas de petróleo” - relata Azevedo.
A expectativa do projeto é descobrir novas espécies e aumentar em 20% essa biodiversidade.
Características das Calcareas
Foto: André Padua - LaBiPor (IB-UFRJ) Espécie Clathrina aurea (em amarelo) - Esponja calcárea
nativa da costa brasileira que se assemelha a fios de ovos.
As esponjas calcareas representam 8% do filo porífera. No mundo, há poucos especialistas estudando esse grupo. “Aqui no Brasil apenas a professora Michelle está trabalhando especificamente com esponjas calcareas”, declara Fernanda.
É muito difícil diferenciar as espécies de calcareas, e um dos principais motivos é a questão morfológica. Geralmente as esponjas, por serem antigas e simples, são identificadas por meio das diferenças em suas espículas – uma espécie de esqueleto. No caso da classe em questão, esse esqueleto é formado de espículas de carbonato de cálcio. Outras características das calcareas é o fato de serem exclusivamente marinhas, pequenas e em sua maioria branca ou bege, o que as diferencia do grande número dos integrantes de seu filo. Essa ausência de cor dificulta a classe de se defender de predadores, já que não possuem substâncias químicas. Por isso, o habitat dessas esponjas são locais escuros como fendas ou embaixo de pedras.
As calcareas possuem uma grande variabilidade morfológica, o que faz necessário o uso da taxonomia genética em sua diferenciação.
Importância
De modo geral, as esponjas têm grande importância na produtividade primária e secundária dos oceanos, pois têm associação com bactérias e cianobactérias, funcionando de abrigo para essas espécies, que, por sua vez, são a base do ecossistema marinho. Muitos filos se aproveitam do corpo das esponjas como abrigo. No caso das calcareas, a estimativa é que a fauna associada a ela seja de mais de 10 filos. “Ela acaba servindo de hot spot de biodiversidade. Se você perde diversidade de esponja, você está perdendo biodiversidade no total”, reforça a representante técnica da pesquisa.
Outra função das poríferas no oceano está na alimentação de outros organismos como tartarugas, lesmas marinhas e peixes. “Quando a gente vai a campo, é engraçado, pois assim que levantamos a pedra, vêm muitos peixes e comem as calcareas como se fossem um caviar”, conta a pesquisadora. Além disso, as esponjas podem ser usadas por outros animais marinhos como escudo, proteção, tanto física, por sua cor e tamanho, quanto como arma química.
Para o ser humano, as esponjas já desempenharam diversas funções ao longo da história. As que não têm espículas, ou seja, uma minoria composta de colágeno, eram usadas para banho. Hoje em dia, existem cultivos específicos de esponjas com essa finalidade. “Se houver aquicultura voltada para isso, não tem problema de perda de biodiversidade”, esclarece Fernanda. Além disso, algumas tribos indígenas usavam espículas de esponjas de água doce para fazer cerâmica.
Entretanto, o principal uso das esponjas para nós, humanos, é como substância bioativa. Elas são o filo que mais produz substâncias ativas, metabólitos secundários oriundos do metabolismo desses organismos. Essas moléculas são de interesse médico e farmacológico para o ser humano, contendo atividade antimicrobiana, antitumoral e antifúngica, por exemplo. “A partir dessas moléculas das esponjas, os médicos conseguem fazer moléculas sintéticas para futuros medicamentos”, afirma.
Existem estudos sobre essa função entre as calcareas que mostram que ela também apresenta uma química interessante no que diz respeito a essas substâncias. Porém, por serem pouco conhecidas e terem uma biomassa menor que as demais, elas acabam não sendo tão procuradas. “Essa investigação química-farmaceológica com as calcareas é interessante porque você pode descobrir moléculas que são exclusivas dessa classe”, relata.
Outra utilidade das esponjas é a de filtragem da água do mar. Os poríferos se alimentam de bactérias e matérias orgânicas diluídas no oceano que penetram pelos seus poros. Devido à alta representatividade no ambiente bentônico (que tem substrato), esponjas, principalmente de tamanhos grandes, acabam tendo uma capacidade de filtragem efetiva e contínua, causando uma espécie de limpeza no ambiente.
O papel socioeconômico desses indivíduos está no fato de serem bioindicadores. Por terem um período muito curto de dispersão na coluna d’água, sendo fixar a durante a sua vida adulta, se a esponja estiver em um ambiente com algum impacto negativo, despejo de esgoto, por exemplo, ao longo de um período chamado de monitoramento ambiental é possível verificar uma perda da biodiversidade no local, restando apenas aquelas mais resistentes ou “pouco exigentes”. Essas vão funcionar como indicadores negativos e aquelas que sumirem, funcionam como indicadores positivos. “Os pesquisadores escolhem uma área sem impacto como área de controle e escolhem algumas outras áreas impactadas com níveis de degradação diferetentes”, explica a doutora.
Extinção
Não há nenhum estudo que diga que as calcareas estão em extinção. O que assusta são as perspectivas futuras, quando se fala da problemática do aquecimento global e das mudanças climáticas. De acordo com o National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), essa classe sofrerá impacto negativo ou até mesmo extinção devido ao aumento da acidificação dos oceanos, consequência do aumento das emissões de CO2. “O aumento da temperatura altera a composição química dos oceanos, modificando o PH. Essa acidez pode provocar a fragilidade dessas espículas”, descreve a bióloga.
Fernanda conta ainda que o fato das calcareas terem suas espículas constituídas de cálcio agravam esse panorama. A poluição marinha gerada pela ocupação desordenada da costa e a chegada de espécies invasoras deixam o cenário futuro ainda mais complicado.
Pesquisa anterior
Fernanda Azevedo fez sua tese de doutorado no LabiPor e no Museu Nacional, com título “Sistemática e Biogeografia das esponjas na América do Sul”. Quando perguntada sobre as diferenças que viu ao comparar as esponjas calcareas na América Latina e na Costa brasileira, respondeu que “o Brasil se destaca na América do Sul como nação que vem estudando melhor as esponjas calcareas. Isso se justifica pelo fato da expert no assunto estar trabalhando aqui, enquanto na América do Sul inteira a gente não vê nenhum taxonomista dedicado às calcareas”. Por isso, hoje se conhecem 106 espécies da classe na costa sul-americana e, dessas, 50 são brasileiras.
Solução e preservação
A preocupação com os oceanos é recente. Começou na década de 80, quando ocorreu um déficit nos estoques pesqueiros, afetando a economia. A partir daí começaram os estudos que detectaram as mudanças climáticas como principal causa da defasagem.
“Os ciclos já são esperados, mas o homem acelera muito esse processo e talvez a gente não tenha tempo de se adaptar. Então, o mais importante, mais que delimitar a área para conservação, é conhecer de fato o que temos. Porque existe uma perspectiva pessimista de que a gente não vai dar conta de conhecer tudo o que temos antes mesmo que a biodiversidade seja perdida. Vamos perder muita coisa sem ter conhecido”, afirma Fernanda.
Cada organismo tem sua função no ambiente, sua importância, e sua perda acarreta problemas. “Além de sabermos o papel ecológico que ele desempenha no seu habitat, é importante conhecermos o que eles têm de interessante para que o ser humano possa utilizar. Assim, percebemos que estudar a distribuição, gerar mapas, é um subproduto de conhecer a biodiversidade. É claro que esse é um objetivo da nossa pesquisa, mas é um algo a mais. Conhecendo, você pode planejar, saber preservar, o que conservar para manter intactas as áreas que apresentam espécies responsáveis pela representação da biodiversidade brasileira”, conclui Fernanda Azevedo.