UFRJ Plural - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Em Pauta

O esporte como a esperança de uma vida melhor
Fabrício Nogueira

Foto: Rama V / Flickr Creative Commons

Recentemente, o Brasil inteiro acompanhou a saga de Neymar, ex-jogador do Santos, que foi contratado pelo Barcelona da Espanha. O jogador, que fez 138 gols pelo time paulista, ganhou três campeonatos paulistas e uma Libertadores, foi embora para o time catalão por € 28 milhões (R$ 77,7 milhões) e receberá € 7 milhões (R$ 19,4 milhões) por temporada. Esse é um dos poucos casos de sucesso de muitos jovens que depositam todas as suas esperanças no futebol e em outros esportes para melhorar as condições de vida. Para falar sobre isso, convidamos o professor Antônio Jorge Gonçalves Soares, doutor em Educação Física pela UFRJ.

Para o professor, existe um grau de mobilidade social via futebol, mas casos como o de Neymar e Rivaldo, que se tornaram milionários através do esporte, são um percentual muito baixo. “Se você observar as faixas salariais do mercado brasileiro de futebol, provavelmente algo em torno de 80% dos profissionais ganham até R$ 1.500,00. Depois existe uma parcela com remuneração de até R$ 20 mil, que até poderia ser considerada com certo grau de mobilidade social. Os jogadores que ganham acima desse valor são um percentual baixíssimo, não passam de 5%. A probabilidade de uma pessoa ter um alto salário é muito rara”, analisa.

Antônio Soares, que também presta consultoria ao Ministério do Esporte (MEsp), afirma que a profissionalização do futebol passa, essencialmente, por um projeto familiar. Para o jovem que deseja seguir carreira como jogador de futebol e ter um bom retorno financeiro, é mais fácil quando se é oriundo de famílias de classe média, média baixa ou pobre, mas com vínculo empregatício fixo, pois antes de conseguir passar por um processo de seleção, é necessário um investimento da família, ainda mais no futebol brasileiro, já que, de acordo com o mestre, os jovens dos 13 aos 20 anos treinam, no mínimo, cinco vezes por semana.

Sobre a questão da responsabilidade de muitos desses jovens sustentarem suas famílias mesmo sendo tão novos, o professor ressalta que essa, talvez, seria a grande motivação. “Para os atores sociais, esse é um discurso um pouco uniforme. Frases do tipo ‘eu estou aqui, mas devo à minha família’ ou ‘eu estou me submetendo a isso tudo, porque eu tenho esperança de ajudar a minha mãe’, é um discurso meio padrão, mas que faz sentido. É uma forma de agregar utilidade ao desejo, ou seja, eles têm a vontade de ser jogador de futebol e, além disso, poderiam melhorar a vida de todos. Muitas vezes, não conseguimos operar apenas com a linguagem do gosto”, declara Antônio Soares.

Quando um jogador sai de uma situação de extrema pobreza e se torna rico, segundo o professor, para não acontecer um possível vislumbre, depende muito mais de uma estrutura familiar do que da idade. “Se um adolescente ganhar dinheiro e fama, pode sim se vislumbrar e até ir por um caminho errado, afinal o jovem de classe média também se envolve com drogas. A única diferença é que o suporte familiar é mais forte. O indivíduo se envolve com drogas e a família tem recursos para colocar numa clínica. O jovem de classe popular, às vezes, não tem essa ferramenta. Mas se você notar o campo de futebol, verá que o protestantismo está presente dentro dele e, com isso, existem pessoas muito disciplinadas. A maioria lida bem com o dinheiro”, observa.

Antônio Soares acredita que é positivo quando um jogador é descoberto na base de algum clube e é levado para o exterior. Ele comentou ainda sobre o caso de dois jogadores que foram descobertos no campo de “pelada” do Aterro do Flamengo e foram para a Holanda. “O jogador, quando chega na Holanda aos 15 anos, passa a ter um ritmo de treinamento menor e a ter mais escolarização. No Brasil, a carga de treinamento é muito alta, o que dificulta o acesso à escola. Nossos estudos apontam  que os atletas que estão em clubes fazem uma migração muito alta para o ensino noturno, independente de ter sucesso escolar ou não”, revela.

O professor contou sobre o caso do jogador Niquinha, que jogou 12 anos em Portugal pelo clube Vila do Conde. O jogador se profissionalizou aos 18 anos e antes de ser contratado pelo Náutico, de Recife, quebrou o pé. No período de recuperação normal, Niquinha ficaria seis meses parado, mas sua família vendeu um terreno e pagou sua cirurgia. Com isso, o jogador retornou aos campos em dois meses. Ele foi contratado pelo time nordestino e logo depois foi agenciado para ir para a equipe portuguesa. “O Niquinha foi uma pessoa que saiu de uma família tão pobre quanto a de qualquer outro atleta. Então, qual a diferença?  A estrutura familiar. Ele precisou, a família vendeu o terreno e investiu na carreira do jovem jogador”, aponta o doutor.

Para o consultor do MEsp, o governo não investe numa política pública nem num sistema legislativo que faça com que determinadas modalidades desportivas sejam encaradas como profissão. Ele defende que deve haver uma integração maior entre a escola, o jovem trabalhador e o esporte e que este deve ser encarado como uma profissão, um local de aprendizagem profissional. “Muitas vezes, parece que a escola é mais uma trave que eu tenho que pular para conseguir um diploma. Eu acho que a gente valoriza muito isso que se chama capital institucionalizado, que é o diploma, mas não valoriza o capital cultural incorporado, que é o conhecimento, a experiência, seja do trabalhador ou do atleta”, finaliza.