UFRJ Plural - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Saúde e bem-estar

Alarme Falso
Guilherme Karakida

Segundo estudo feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em meados de fevereiro deste ano, o consumo do metilfenidato − medicamento comercializado no Brasil com os nomes de ritalina e concerta − aumentou 75% entre crianças e adolescentes na faixa dos seis aos 16 anos. O remédio de tarja preta é utilizado para combater o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Embora os números causem pânico, a princípio, Giuseppe Pastura, professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRJ e doutor em clínica médica pela mesma universidade, garante que o TDAH ainda não é diagnosticado como deveria. De acordo com o professor, a maioria dos portadores de TDAH não está sendo tratada quando se compara o número de medicamentos vendidos e a quantidade de pacientes que apresentam o transtorno, cerca de 5% da população infantil. “A quantidade de metilfenidato vendida, atualmente, só trata 20% do total desses 5%, ou seja, 80% das crianças não recebem tratamento”, afirma.

Riscos do consumo sem necessidade
Por outro lado, nota-se entre alguns adolescentes e adultos o hábito de usar o medicamento sem necessidade, na crença de que ele atenue o cansaço e aprimore a atenção, elementos essenciais em períodos de prova ou maratonas de estudo. “Como todo medicamento, contudo, o metilfenidato pode provocar efeitos colaterais, como redução de fome, dor abdominal, dor de cabeça e aumento da pressão arterial, e justamente por isso não deve ser ingerido por conveniência”, recomenda o médico.

Diagnóstico
Em relação ao método para fechar o diagnóstico do TDAH, Pastura aponta que o processo é lento, assim como ocorre com a depressão e a esquizofrenia, pois não há exames complementares que identifiquem o problema. “A consulta costuma levar quase uma manhã inteira, e, eventualmente, a criança precisa retornar mais uma, duas vezes. O seu contexto social e familiar é analisado minuciosamente antes de se decretar o diagnóstico. Até os relatórios da escola, nós fazemos questão de solicitar”, observa.

Além disso, para o médico, há cinco pontos básicos para detectar o TDAH no paciente. O primeiro passo seria perceber os sintomas de desatenção e hiperatividade, que costumam se manifestar quando a criança perde o material da escola o tempo inteiro, não lembra onde colocou nada. A hiperatividade, em contrapartida, traduz-se no comportamento muito agitado do indivíduo, que geralmente não consegue esperar a sua vez, que atrapalha os colegas de classe. O segundo passo é notar que esse quadro costuma aparecer desde cedo, ou seja, ninguém fica hiperativo ou com déficit de atenção na adolescência. O terceiro passo, ainda, seria o fato de esse comportamento peculiar ocorrer independentemente do lugar. O quarto estágio do processo consiste em verificar se a criança apresenta prejuízo por causa desses sintomas, um rendimento abaixo da média na escola, por exemplo. O último e não menos importante, é investigar o contexto social/familiar em que a criança está inserida.

Mito da medicalização da infância
Durante toda a entrevista, Pastura ressaltou que o mito da medicalização da infância, difundido pela grande mídia, contribui para impedir o avanço da ciência, já que dissemina o pânico na população. “Precisamos acabar com esse mito de que estamos dando remédio em excesso, tratando de crianças espertas. Algumas organizações insistem em estigmatizar essa questão do remédio. E, contudo, algumas pessoas realmente precisam da medicação”, afirma.

Para isso, no entanto, segundo o especialista, uma boa formação acadêmica seria imprescindível. “O bom médico consegue discernir quem precisa e quem não precisa de remédio. Se o profissional praticar uma medicina ruim, evidentemente vai prescrever medicamento para todo mundo”, enfatiza.

Conscientização
Do ponto de vista da conscientização acerca do TDAH, o professor sublinha que o Brasil ainda engatinha nesse sentido, pelo fato de muitas pessoas ainda desconhecerem o assunto. Mas se revelou otimista, porque sociedades médicas vêm se empenhando mais para reverter esse processo.

“Há vários informes, campanhas para esclarecimento da população, em locais públicos, e também existem cursos de capacitação para os professores reconhecerem esses sintomas precocemente e, assim, conseguirem encaminhar essa criança para ser avaliada por um profissional da área”, finaliza Giuseppe Pastura.