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Felicidade é tema de pesquisa de professores da UFRJ

Carla Basílio

LanCEA felicidade é tema recorrente em nosso cotidiano. Pensando nisso, o professor João Freire Filho, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação (ECO - UFRJ), elegeu como tema de pesquisa a Felicidade Assistida: a TV, os Especialistas e o Governo da Vida Privada, cujo denominador comum mais notável é a ênfase na responsabilidade, na escolha e na transformação individual, valores e princípios fundamentais da arte de governar neoliberal.

Nesse sentido e com o propósito de investigar a felicidade em diversas manifestações culturais, o docente organizou o seminário "Entretenimento, Felicidade, Memória - Forças Moventes do Contemporâneo", que aconteceu nos dias 13 e 14 de novembro, na Casa da Ciência.

A mesa dois, À Procura da Felicidade, contou com a participação dos professores Paulo Vaz (UFRJ); Rose Rocha, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP); José Luiz Prado, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP); Vera França e Paulo Bernardo Vaz, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com a moderação de Freire.

Paulo Vaz abordou o tema A Felicidade Segundo a Razão Farmacêutica: Subjetividade, Tecnologia e Consumo de Medicamentos na Cultura Contemporânea, e iniciou sua fala explicando o porquê do termo "razão": "Em suas obras, Foucault trabalha com o conceito de medicalização, no qual o pecado clínico passa a ser doença, como, por exemplo, no homossexualismo. Hoje em dia, porém, esse termo ganha outra dimensão e passa a se chamar 'farmaceuticalização', uma relação técnica dos indivíduos com seus sofrimentos. Não se trata mais de uma correção".

Vaz citou alguns números capazes de mensurar o poder da indústria farmacêutica. Das 500 maiores empresas do mundo, 26 são dessa área, número que só fica atrás das corporações de telefonia, bancos e petrolíferas. Além disso, em 1995, o lucro dessas empresas foi de 300 bilhões; em 2010, de 800 bilhões, valor superior ao PIB da Holanda. "Isto acontece porque cada vez mais há um marketing das doenças. Não se fala incontinência urinária, e sim bexiga hiperativa", ironizou.

O docente falou também da experiência de espaço e da ocupação deste por academias de ginástica, produtos naturais, farmácias, consultórios, salas de análise clínica e hospitais. "Mesmo com esse bombardeio, não pensamos na indústria farmacêutica e seus produtos (os remédios) como bens de consumo. Isso acontece porque ainda vemos o remédio como algo essencial, tanto quanto a comida: da mesma forma que o alimento sacia a fome, o remédio erradica ou reduz um sofrimento, nos fazendo voltar à normalidade", explicou. E concluiu: "O fato é que qualquer alimento pode saciar a fome, no entanto, alguns também darão prazer; afinal, comer arroz e feijão é diferente de comer lagosta ou caviar. O mesmo pode acontecer com os medicamentos".

Acerca do comércio de medicamentos, trata-se de um mercado imperfeito, "já que quem consome não é quem escolhe (a prescrição é passada pelo médico) e, dependendo, não é quem paga (muitos tratamentos são pagos pelo SUS, por exemplo)", esclareceu Vaz. A intenção da indústria farmacêutica, então, é transferir a credibilidade do profissional para o medicamento, afetando o que os médicos têm por verdadeiro. "Como os médicos se atualizam? Através de congressos e revendedores. Assim, quando ele receita um determinado remédio, está preocupado com sua saúde ou em ganhar o prêmio de vendedor do mês?", alertou o professor.

Assim, a indústria procura agir sobre os indivíduos, para que se vejam como doentes e acreditem haver solução técnica para seu mal-estar. De acordo com o docente, "essa persuasão é feita pela publicidade direta, nos EUA, e através do 'jornalismo científico', no Brasil e em outros países onde a propaganda de medicamentos não pode ser direcionada. Neste último recurso, sempre há a máxima 'Mas há uma boa nova' fazendo com que o remédio adquira status de redenção".

No entanto, para que esse convencimento seja possível, foi necessária uma mudança no conceito de doença. "Antes ela era vista como desequilíbrio, através de um diagnóstico individual. Era um castigo advindo de algum comportamento imoral. Hoje, a saúde é vista no silêncio dos órgãos", explicou Vaz. Desta forma, conceber-se como doente não é mais negativo, já que se pode cuidar de si mesmo. "A saúde é o luxo de ficar doente e se recuperar."

O professor finalizou sua fala questionando até que ponto as doenças da modernidade são de fato verdadeiras: "O limiar da não felicidade diminuiu, tornando patológico o que antes fazia parte da condição humana: a velhice virou Alzheimer, o TOC e a depressão se banalizaram, o limite da diabetes diminuiu de 140 para 126, o da pressão de 16.10 para 14.9, e assim nós vamos tendo cada vez mais doentes buscando, nos remédios, uma esperança de felicidade".

Rose Rocha abordou a temática Felicidade, Consumo e Consumação: Manual de (In)suportabilidades e iniciou sua fala relatando a viagem de São Paulo para o Rio. No avião, havia diversos passageiros que poderiam ser tomados como modelo de sucesso. "Sentei do lado de um homem que se vestia bem, tinha uma maleta de couro belíssima, um aparato tecnológico de última geração e ainda assim era uma pessoa que não consegue olhar para si, nem para os outros. Abriu 'as asas' (os braços), incomodando a mim e ao outro passageiro à esquerda, mas agia como se nós estivéssemos errados por atrapalhá-lo a usar seu computador."

A professora contou que o indivíduo chegou a espirrar nela, sem pedir desculpas. "Na verdade, ele ficou ainda mais incomodado comigo por ter espirrado em mim", lembrou. E prosseguiu: "Assim, analisar a felicidade é se dar conta dos mal-estares, um deles advindo do consumo, ou melhor, do consumismo, atualmente colocado no banco dos réus".

Segundo a docente, a lógica consumista seria uma força movente que agencia os mal-estares. "Os sintomas mais notáveis são aqueles vistos no senhor do avião: um corpo com overdose 'sígnica'. Ele parou de mexer no celular, foi para o tablet, do tablet para o notebook, do notebook para o jornal. Trata-se de uma pessoa que não aguenta mais a pressão que vem de dentro e tem um nível de impossibilidade altíssimo. Mesmo assim, é considerado, na nossa sociedade, um modelo de pessoa bem-sucedida", alertou.

Rose disse que estamos inseridos em uma lógica compulsiva, de adição: "Pensamos a felicidade a partir das infelicidades, dos descontentamentos, e tentamos encontrá-la a todo momento. Vivemos numa ditadura na qual você tem obrigação de estar sempre feliz. É nesse sentido que entra o consumo, supostamente preenchendo buracos vazios com objetos sem significado". E concluiu: "Assim nos tornamos ansiosos, depressivos, dispersos e vazios. A felicidade está sempre um passo à frente de nós. Nesta lógica consumista, que produz sofrimento, não tem como ser feliz, nem aqui, nem agora, nem jamais".

José Prado discursou sobre Felicidade, Biopolítica e os Movimentos da Máquina Antropológica, iniciando sua palestra citando o livro de João Freire Filho, Ser Feliz Hoje, e disse que "busca-se a felicidade através do empreendedorismo de si mesmo. Isso se materializa na figura do 'fortão', do ganhador do Big Brother, da top model internacional".

Segundo Prado, quando se é criança, ser feliz é superar a ausência da figura materna, que transmite acolhimento, conforto, aconchego. "Quando se é adulto, esse processo é bem mais complexo. Ser feliz é tamponar a falta de algo que não sabemos exatamente o que é. A plenitude vem em pacotes. Estar saciado é se satisfazer com um prato, um prato de si mesmo. Mas há uma tensão de necessidade, já citada por Freud, na qual a saciedade passada rapidamente e a fome (ou vontade de comer) volta logo e ainda mais voraz.

A felicidade, de acordo com o docente, advém da promoção do "eu", do sujeito em déficit. "Lacan diz que o sofrimento psíquico acontece por conta do não reconhecimento social. É o sujeito (self) que se mostra, mas não atinge o status de homem/mulher alfa, não consegue ser visto ou valorizado", disse. E concluiu: "Desta forma os sujeitos não se reconhecem mais. Há um excesso de identificação, que gera um incômodo e impossibilita a felicidade".

Vera França e Paulo Bernardo ponderaram sobre o tema A Felicidade Trafega na Avenida Brasilr?, ressaltando outro viés do assunto: ser feliz, de fato. Vera iniciou sua fala lembrando que a busca pela felicidade não é algo exclusivo do nosso tempo, é algo ancestral. "A diferença é que, se em outrora a felicidade estava ligada à sabedoria e ao cultivo das virtudes, hoje ela é vista como um investimento, um fim absoluto: vale tudo para ser feliz. Além disso, ela é pessoal, há um coroamento do individualismo."

Vera então fala do foco da pesquisa dela e Paulo Bernardo: a ascensão da classe C, que tornou a categoria alvo preferencial da mídia e da publicidade, lançando a seguinte reflexão: "Este imperativo de felicidade, ligado ao individualismo, toca a classe C?". E ela mesma diz que, atualmente, "prega-se que as classes que ocupam a base da pirâmide não leem livros de autoajuda. Seus avanços acontecem em prestações, muitas prestações. Essas pessoas não atingiram o patamar do 'eu'".

E mais uma vez Vera pôs os espectadores para refletir: "Será que é assim mesmo? Ou esses são estereótipos ultrapassados? Se antes os indivíduos da classe C apareciam na mídia em programas sensacionalistas ou estampando notícias sobre violência, hoje eles são protagonistas. Isso acontece porque o ideal de felicidade é encontrado nela". Para elucidar o que foi dito, Vera citou dois exemplos: o final das Olimpíadas de Londres e a novela Avenida Brasilr.

Continuando a fala, Paulo Bernardo contou que, na cerimônia de encerramento das Olimpíadas, o Brasil fez sua autoapresentação, diferentemente do que era esperado, não com samba e celebridades, mas com um gari negro. "Não foi um espetáculo casual. O gari, Renato Sorriso, famoso por sambar enquanto limpa as ruas, ocupou o espaço das celebridades na representação do país para o mundo", explicou. Houve uma encenação na qual um segurança tenta tirá-lo do palco, mas acaba sendo vencido pelo carisma do varredor, que ganha espaço com o samba. "Então chega um outro negro, tira seu chapéu e o entrega ao gari. Esse negro é Pelé, o rei Pelé. Assim, vemos que a presença no palco foi conquistada. Renato exerce o direito de ocupar aquele lugar", acrescentou.

Sobre o segundo exemplo, a novela Avenida Brasilr, Paulo afirmou que "a felicidade mora no Divino" e Vera explicou que Avenida Brasilr possui duas conotações. "Para quem não é do Rio, é a via onde todos nós estamos, é por onde passa o país. Para o carioca, Avenida Brasilr é uma via de duplo sentido que liga o subúrbio à Zona Sul e vice-versa." E prosseguiu, "na novela, a distância entre Zona Norte e Zona Sul parece desaparecer com as passagens. O efeito rápido elimina o tempo que se gasta entre um mundo e outro".

Paulo diz que o Divino representa a nova classe C, o suburbano que ostenta o consumo, e, na novela, é o lugar que une a riqueza e qualidade da Zona Sul e a solidariedade e leveza do lixão, excluindo a arrogância do primeiro. "O luxo da Zona Sul é mostrado como algo ruim e faz com que a simplicidade do subúrbio seja valorizada. Os personagens que enriqueceram (Tufão e Monalisa) mantiveram seus estilos, continuaram atrelados às raízes", explicou.

Assim, a novela embaralha os valores, apaga hierarquias e ressalta a importância de algumas coisas aparentemente esquecidas pelos moradores da Zona Sul. "Não houve uma família na trama que pertencesse ao padrão casal hétero, monogâmico e com filhos, mas o respeito, a solidariedade e a lealdade foram valores ressaltados a todo o momento", lembrou Paulo.

Por fim, tanto na cerimônia das Olimpíadas como na trama de João Emanuel Carneiro não se aspira a ser mais do que é. "Ser feliz é buscar o contentamento nas coisas simples. Definitivamente, a felicidade que trafega na Avenida Brasilr não é a mesma dos livros de autoajuda", finalizou Vera França..